quarta-feira, 28 de outubro de 2015
Cenas de horror à brasileira
É fato inquestionável que o cinema independente ganhou projeção no país nestes últimos anos. Embora passe por transformações, encare grandes desafios e sofra interdições quando o problema diz respeito à sua distribuição, esse modelo de produção tem mostrado seu êxito, difundindo-se em plataformas como redes sociais, sites de compartilhamento de vídeos e pequenas empresas de publicidade dirigidas ao formato.
O resultado desse esforço homérico se expressa naquilo que caracteriza cada produção: uma reconfiguração do status amador do filme. Típica de experiências como o cinema underground novaiorquino de Jonas Mekas, Maya Deren e Jack Smith e de realizadores vinculados ao cinema marginal brasileiro do fim da década de 1960, essa atitude de revisão da linguagem cinematográfica é responsável pela reconfiguração do cinema em geral e das produções nacionais em particular. Nascido no Espírito Santo, o cineasta Rodrigo Aragão aparece em cena trazendo ao cinema brasileiro uma típica experiência de internacionalização. Cineasta de gênero, ele imprimiu ao Splatter (uma vertente do filme de horror que se concentra em representações visuais superlativas de sangue e violência) uma assinatura tupiniquim, que trouxe à tela monstros do folclore e personagens carregados de regionalismo, imersos numa infusão de suor e sangue que daria inveja a realizadores como o mago do horror Herschell Gordon Lewis.
Fã de diretores como Sam Raimi e Peter Jackson, o cineasta e roteirista fascinou-se desde a infância por técnicas de maquiagem e efeitos especiais, das quais se apropriou a ponto de hoje coordenar oficinas e construir sozinho as bestas animatrônicas que permeiam o universo trash de Mar Negro, sua mais recente produção.
O terror vem das águas
Lançado este ano, Mar Negro encerra a trilogia do horror de Rodrigo Aragão, que tem início com as produções Mangue Negro (2008) e Noite do Chupacabra (2011). Para além do roteiro carregado pela atmosfera fantástica, as tramas trazem consigo um fundo crítico, ao colocarem em voga a discussão sobre o desrespeito à natureza. Mar Negro se passa no distrito de Perocão, litoral do Espírito Santo. Na trama, uma estranha mancha negra chega ao litoral, causando mortes e destruição a uma pequena comunidade de pescadores.
O filme foi orçado em R$ 50 mil, uma cifra irrisória, que não lhe rendeu grandes prejuízos. Ao contrário: ao apelar para a produção artesanal, o filme ganhou status de cult e viajou o mundo, representando o Brasil em festivais no México, Estados Unidos, Espanha e outros países.
“Em 2013, tivemos novamente vontade de apostar no cinema de terror brasileiro e vimos Mar Negro. Eu já conhecia o cinema de Rodrigo Aragão e sempre pensei que seus filmes mereciam ser vistos na tela grande, então decidimos nos arriscar”, diz Raffaele Petrini, proprietário da Petrini Filmes, empresa responsável pela distribuição do filme no Brasil. “Em um país onde o cinema depende quase exclusivamente de editais públicos ou de leis de incentivo, o surgimento de uma obra deste tamanho realizada com investimentos privados, é algo sempre mais raro. Mar Negro encarna o verdadeiro espírito do cinema independente: é um filme de qualidade, sem concessões, feito com orçamento mínimo, mas que não tem nada a invejar das grandes produções internacionais”, acrescenta o empresário.
Mesmo gozando de prestígio internacional, chegando a ter seus direitos de exibição vendidos a países como Holanda, Bélgica e Japão, o cinema trash de Rodrigo Aragão parece sofrer de um certo mal-estar no Brasil. Contrariando o sucesso de gêneros como a Chanchada, que levou ao cinema milhares de brasileiros nas décadas de 1930 e 1940, suas produções ainda enfrentam resistência por parte do público.
“Na minha opinião, o que falta é confiança da parte do mercado exibidor para filmes deste nicho. Infelizmente o sucesso de um filme como Mar Negro não será decretado somente pelo público, mas dependerá principalmente dos exibidores, que devem dar uma chance a esse tipo de cinema”, diz Petrini.
Embora o sucesso de público seja fruto de esquemas de distribuição e apresentação de um filme, o que parece justificar a indisposição do grande público brasileiro é algo anterior às estratégias de mercado atreladas ao cinema independente. A raiz deste incômodo reside no fato de que o cinema de Rodrigo Aragão adaptou-se ao contexto do país. Nele, residem tipos caricatos, cuja interpretação não peca pelo excesso de sotaque, mas pela representação de uma identidade. Sua fusão de comédia e horror arquitetam a superestrutura subjetiva de um país cujo atual surto desenvolvimentista coloca em regime de opacidade o seu próprio reflexo.
Mar Negro não aposta na atmosfera de mistério tradicional das narrativas de terror. O que há de fobia no filme relaciona-se ao seu realismo e sua objetividade, opções que afetam a recepção de um espectador seduzido por tramas standard, personagens assépticos e tipos globalizados. Se a impossibilidade de mimetização de um gênero resulta na exploração das peculiaridades de um nicho, há de se convir que Mar Negro tenha um sentido social: artesanal, independente e pioneiro, ele chama a atenção do espectador para aquilo que lhe é aparentemente desagradável. Expõe o olhar a outros regimes de excesso, transformando a experiência cinematográfica num ritual de identificação sumariamente realista.
Mais
Mar Negro entrará em cartaz nos Cines Lume e Praia Grande no dia 27 de dezembro, data de seu lançamento nacional. A pré-estreia no fim deste mês, no Festival Lume De Cinema.
Especial para o Alternativo do O Estado-MA
sábado, 17 de agosto de 2013
O Queer Rap
Nem manos, nem minas: são monas, as novas vozes do rap
O Hip Hop não mudou de cara: deu só uma maquiada. Por entre becos e esquinas do Brooklyn, ou estúdios de New Orleans, uma febre parece instalar-se entre as (aparentemente) inflexíveis bases que sustentam o rap.
Nem manos, nem minas: são as monas as peças fundamentais que dão suporte à nova vanguarda do rap. Se antes as discussões em torno da vivência em guetos, discriminação e identidade eram atualizações de bandeiras levantadas por ícones como Aretha Franklin, Martin Luther King e grupos como Black Panthers, a temática do corpo, da soberania da liberdade sexual e das discussões sobre a diferença ganham espaço relevante no rap, lançando por terra o machismo, a homofobia e o binarismo comumente presente nos discursos de magnatas da black music, tais como Eminem e Fifty Cent.
Se, até então, as mais visíveis interações entre a cultura gay hip hop apresentavam-se através de expressões de pouca criatividade ( o homo rap é uma delas) e declarações polêmicas de personagens como Frank Ocean ( que logo após ter seu grupo associado a incitações homofóbicas declarou ser um homem o grande amor de sua vida) o Queer Rap deseja muito mais, ao reivindicar a legítima influência da arte Camp, da iconografia New Wave e da estética do vídeo amador para afirmar que não somente " black is beautiful", mas "Queer is cool".
Big Freddia - Celebrado em
públicações como Village Voice e The New York Times, este rapper transexual é
um dos grandes representantes da bounce music, desdobramento do hip hop surgido
em New Orleans.
Outros representantes
THEESatisfaction - Integrando
influências do R&B ao rap, as garotas do THEESatisfaction são talvez as
mais badaladas expressões do rap alternativo. Muito de sua popularidade está no
fato do grupo pertencer ao selo Subpop, que, no passado, lançou ao estrelato
bandas como Nirvana, Jesus and Mary Chain e hoje é a gravadora das paulistanas
do CSS.
Mykki Blanco - performer,
artista e poeta, Michael Quattlebaum Jr ( ou Mykki Blanco, para iniciados)
faz um rap experimental, uma decisão pouco usual que chega às raias do bizarro.
Suas influências precedem sua reputação artística: Anais Nin, Jean Cocteau,
Vaginal Davis e movimentos como riot grrrl e o
Queercore de Bruce Labruce.
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Texto publicado no jornal O Estado do Maranhão, edição de 17 de agosto de 2013
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quarta-feira, 3 de julho de 2013
DAFT PUNK
Enquanto o disco novo de Daft Punk não chega, a nossa retrospectiva explica o sucesso do grupo responsável pela revolução da house music
Talvez não se recordem, mas os resíduos das vossas lembranças mais superficiais atinentes à década de 1990 têm como banda sonora aquilo a que a crítica musical definiu como french touch, corrente musical francesa, protagonizada por grupos de música electrónica como Cassius ou Etienne de Crecy e cujos maiores representantes são os Daft Punk.
O french touch, àquela altura, significou uma renovação num campo minado por fórmulas pasteurizadas pela febre Eurodance. Se nos Estados Unidos dos anos 90 o grunge significou revisitar sonoridades como o hardcore e o punk, na cena francesa o acid house e o disco foram os principais géneros responsáveis pela renovação musical que acontecia, numa época em que a cultura das drogas promovida pelas raves dava os seus últimos suspiros.
Os Daft Punk surgiram dentro deste contexto musical. Anónimos, criativos e nostálgicos, o duo apropriou-se das estruturas de géneros populares para se dissociarem do questionável trajecto dado à house music por grupos como Ace of Base, Technotronic e Fun Factory. Com phasers,samplers de disco music e beats em 4 x 4, Guy-Manuel de Homem-Christo e Thomas Bangalter integraram a presunção pelo reconhecimento da sua musicalidade pop com a cautela de um projecto cuja mais original e – aparentemente – contraditória proposta é preservar o anonimato dos seus idealizadores.
Com “Homework” (1997), a música electrónica parecia seguir um caminho mais honesto, a julgar pela boa recepção conferida ao álbum por publicações como Village Voice, Stylus Magazine e do crítico musical Alex Rayner, que colocou a estreia dos Daft Punk entre os maiores e mais influentes discos, no seu livro “1001 Albums You Must Hear Before You Die”.
O álbum, produzido integralmente nos estúdios caseiros do grupo, alcançou um grande sucesso de vendas, chegando a integrar o ranking de vendas da Billboard norte-americana e do Australian Albuns Chart. Recebeu disco de ouro, chegando a vender, somente nos Estados Unidos, mais de meio milhão de cópias. Uma nova era parecia anunciar o fim da Eurodance, soterrada por hits como «One More Time», «Alive» e «Around the Wold» (este último teve direito a videoclip dirigido pelo celebrado realizador Michel Gondry).
Em 2001, “Discovery” confirma a reinvenção do pop electrónico, num álbum coeso, fortemente influenciado pelo synth-pop; uma mudança que reconfigurou a sonoridade da banda, levando-a a caminhos distantes do disco, mas preservando a identidade sonora do duo francês no crepúsculo dos anos 2000.
Com “Discovery”, as transformações são bem mais agressivas, e o clima futurista chega às raias do rock electrónico, abusando dos vocoders e da plasticidade minimalista que caracterizou os álbuns anteriores. Considerado pelo duo o melhor de seus registos, “Discovery” obteve boa recepção, facto que se confirma pela nomeação ao Grammy na categoria de melhor disco dance.Singles como «Robot Rock» e «Technologic» (agraciado por um remix da canadense Peaches) e «Human After All» roubaram a atenção das pistas de dança nos quatro cantos do mundo, consolidando o sucesso de uma empreitada caracterizada pelo experimentalismo e pela improvisação do grupo.
O sucesso não parou: seja nas capas desenhadas pelo duo para as garrafas de Coca-Cola, seja assinando a banda sonora para remakes como “Tron”, o clima de mistério e fantasia que envolve a imagem do grupo é constantemente actualizado por aparições públicas, produções e parcerias com diversos artistas.
Este ano, o grupo ressurge com “Random Access Memories”. Carinhosamente baptizado de “RAM”, O álbum foi antecipado por um sem número de anúncios, vídeos publicitários e rumores que correram os quatro cantos do mundo. Do disco, pode-se esperar qualquer coisa, menos a previsibilidade.
Os motivos para essa previsão são vários: a dupla filiação do disco às gravadoras Sony Music e Columbia; o regresso do escritor e compositor Paul Williams; os 74 minutos de duração do álbum, divididos em 13 faixas já confirmadas e a presença do papa da disco music, Giorgio Moroder, declamando um monólogo em uma das canções. Outra personagem que marca presença em “Random Access Memories” é Nile Rodgers, figura importante na consolidação da cena disco norte-americana de 1970.
Se todos estes motivos não foram suficientes para deduzir que o que os Daft Punk trazem é bem ousado (nunca na trajectória do grupo, tantas participações foram contabilizadas), então o que resta é aguardar o dia 21 de Maio, data do lançamento oficial do álbum, que, vale a pena lembrar, já está em pré-venda no iTunes e no My Play Direct, nos formatos de vinil e CD.
Publicado no site Rua de Baixo, Edição Nº91, Abril, 2013
segunda-feira, 15 de abril de 2013
O Rock Sintetizado de Bosco Delrey
Apadrinhado pelo DJ Diplo, o músico, nascido em Nova Jérsei, é um dos novos representantes do cenário alternativo de Nova Iorque e admira música brasileira.
Bosco Delrey é um dos artistas mais relevantes na cena
eletrônica contemporânea. O músico, que nasceu em Nova Jérsei e passou a sua
infância entre as grandes extensões dos milharais que cercavam sua casa, trouxe
no DNA sua inclinação criativa.
Sua paixão por música brotou cedo, mas sua ascensão só lhe
rendeu êxito quando Bosco despediu-se de casa para conhecer o que Nova Iorque
tinha de melhor a lhe oferecer: um cenário multiétnico, apinhado de gente
estranha, boas idéias e tribos diversas. Escolheu o Brooklyn como morada, e lá
conheceu suas galerias, bandas garajeiras, poetas e artistas que, assim como
ele, desenvolveram suas produções à parte das urgências do mercado.
No distrito novaiorquino, ele se aproximou de gente do
calibre de 77Klash,
Mad Professor e Jahdan
Blakkamoore, figurões das cenas de dub e dancehall. Mas foi através
do DJ e produtor Diplo ( conhecido entre os brasileiros pela sua massiva
divulgação internacional do funk carioca) que o cara chamou a atenção da imprensa
especializada.
Com uma mistura de rock sintetizado e um visual vintage, Bosco Delrey ganhou afeição do
público e foi parar na Mad Decent, selo californiano responsável pela
divulgação de artistas como Dillon Francis, Vato Ganzález e os brasileiros do
Bonde do Rolê. Lá, aprimorou sua estética, redefiniu suas diretrizes e lançou “Evebody
Wah”, um debut marcado pelo sincretismo
de rockabilly e música eletrônica, produzido pelo Diplo.
De lá pra cá, Bosco Delrey vem ganhando espaço na cena
musical alternativa, promovendo parcerias pontuais , ganhando notoriedade e
disseminando sua música pelos mais inóspitos cantos do mundo.
Nesta entrevista, Bosco Delrey fala sobre o início da carreira, suas
influências, música brasileira e adianta novidades sobre seu próximo disco.
Fale um pouco sobre o início de sua carreira musical.
77Klash, um músico de dancehall,
encontrou algumas canções minhas no myspace, e então nós começamos a trabalhar
numa faixa juntos. Na mesma época, ele enviou uma demo da Azaelia Banks, e eu o encorajei a trabalhar com ela,
também. Éramos uma pequena equipe. Daí, fiz uma faixa com a Banks para o Diplo,
o que fez com que nós fôssemos apresentados a ele. Eu diria que esse foi o
início de minha carreira musical.
Seu trabalho parece trazer
experiências do rockabilly para a música eletrônica, uma decisão não usual que
renova códigos tradicionais deste estilo, tal qual grupos como The Cramps, Heavy Trash e Speedball Baby
fizeram antes. Fale-me sobre suas influências musicais.
Não conheço o Speed Ball Baby, mas sempre adorei Jon Spencer
( idealizador do coletivo Heavy Trash e líder da banda Jon Spencer Blues
Explosion) e The Cramps. Acho que o que a maioria das pessoas me associaria minha
música ao rockabilly, mas eu prefiriria o rock ou o punk. Trata-se de várias
coisas, mas é muito mais um sentimento do que um som, entende? Recentemente,
assisti a uma banda de rockabilly que apresentou suas primeiras músicas com
grandes sorrisos na cara e todo aquele visual dos anos 50, e me se senti meio
desconfortável com aquilo. Era apenas uma sombra torta de uma imitação. Há uma
diferença clara entre a imitação e a canalização.
"Evebody Wah', sua
estréia, além da boa recepção da crítica musical, foi privilegiado pela
produção do Diplo. Como aconteceu essa parceria?
Bem, a Mad Decent é co-dirigida pelo Wes (Diplo) e o Jasper
Goggins. Então foi assim que aconteceu.
O Diplo ouviu minhas demos e me deu
alguns toques sobre a conclusão do álbum. Até tentei convencê-lo a ir comigo
para um estúdio em Menphis, mas ele é um cara muito ocupado. Tivemos uma
relação mais verbal que escrita, com relação à produção do disco. Queria muito
tê-lo por mais tempo na realização do álbum, colocar seus beats nas canções,
mas no fim das contas acabei finalizando o disco sozinho.
Que tipos de
instrumentos e equipamentos musicais você costuma utilizar para produzir suas
músicas?
Eu utilizo instrumentos básicos: guitarra, baixo, bateria,
MPC, teclados. Acabei de me mudar pra Paris, então trouxe comigo apenas um
laptop e duas guitarras. Isso é tudo o que eu tenho usado ultimamente.
Nos últimos anos, o
advento da internet facilitou a procura de várias novas cenas, responsáveis
pela atualização do mainstream musical. Eu sei de suas experiências no Brooklyn,
um destes grandes nichos culturais. Hoje em dia, em sua opinião, quais são as
cenas musicais mais relevantes?
Penso que Nova Iorque sempre será relevante neste aspecto.
Apesar de pessoas como Patti Smith ( a artista é uma das representantes da cena
punk novaiorquina, junto de grupos como Blondie, Suicide e Television) dizerem
que os artistas deveriam se mudar para Detroit ou Austin e fugirem da cara
pressão natural das grandes cidades, acho que essa pressão é benéfica para as
artes.
Você já ouviu ou
conhece alguma coisa da música brasileira?
Sim, eu amo música brasileira. A psicodelia brasileira dos
anos 60 é inacreditável. Provavelmente a melhor. Atualmente, estou trabalhando
com o Rodrigo Gorky, do Bonde do Rolê e Lovefoxxx do Cansei de Ser Sexy.
Como se dá o seu
processo de composição?
Ultimamente, eu sento numa mesa vazia com o notebook e
escrevo o que to ouvindo. Eu finalizarei toda a canção. Vou terminar a música
inteira assim e então às vezes eu vou colocar algumas batidas para ela ou
descobrir qual música seria mais adequada. Eu tento ignorar instrumentos e
computadores, tanto quanto possível.
O que você tem ouvido
ultimamente?
Tenho ouvido algumas faixas do AlGate’s Storm. Desde que
cheguei a França, tenho ouvido as pessoas falarem de Jean Michel Jarre, então
tenho ouvido ele um pouco também. Alguns dias atrás, estava ouvindo Stranglers
e Teengenerate.
No que você tem
trabalhado no momento? Alguma novidade para ser apresentada? Quais os seus
planos para o futuro?
Agora,estou finalizando um álbum em Paris. Falta colocar
algumas baterias nas minhas demos,
então estou passando uma pequena temporada nos estúdios. Espero que o single deste álbum seja lançado no mês
de abril, e logo em seguida o álbum inteiro. Eu também espero que essas faixas
me levem ao Brasil.
Publicado no jornal O Estado do Maranhão, edição de 14 de abril de 2013.
quarta-feira, 20 de março de 2013
O Revival Naturalista de Ana Paula Maia
Unindo influências de
Quentin Tarantino, literatura pulp e narrativas de Rubem Fonseca, a escritora
carioca construiu um universo habitado por personagens embrutecidos, porém
demasiadamente humanos.
Ao longo de uma década, a carioca Ana Paula Maia construiu
uma trajetória promissora na literatura. A escritora, que já teve empreitadas
em bandas de rock, cursos de ciências da computação e aulas de piano clássico, hoje
faz parte de uma nova geração de jovens escritores, que apostaram numa produção
literária à parte do paradigma que define os romancistas consagrados nas letras
nacionais. Na contramão de influências tradicionais, ela prefere interagir com
matérias-primas pouco peculiares: narrativas de Rubem Fonseca, estéticas pulp e o cinema icônico de Quentin
Tarantino.
Insólita, visceral e realista, suas estórias ambientam-se em
submundos para assimilar sua dinâmica, captar suas particularidades e conhecer
a essência de seus habitantes.
Traduzindo como “violência suburbana” o perfil naturalista de sua ficção,
Ana Paula Maia apresenta ao leitor uma sucessão de personagens underground: cremadores, assassinos,
bicheiros, operadores de britadeira, desentupidores de esgoto e apostadores,
seres marginalizados, embrutecidos, parcialmente invisíveis aos olhos
desatentos, porém fundamentais à estabilidade de uma estrutura social.
Com 5 romances, participações em várias antologias e
publicações internacionais, a criadora do primeiro folhetim pulp da internet brasileira exibe seus homens-besta como identidades forjadas
através do trabalho que executam, o que não a impede de vislumbrar no interior
de suas rígidas cascas o último e mais doce fragmento de suas qualidades
humanas.
Nesta entrevista, Ana Paula Maia conversa comigo sobre o
início da carreira, suas marcas autorais, novos escritores e futuras
publicações.
Primeiramente, eu queria saber o que você estava fazendo antes de
começar a escrever.
Eu fazia faculdade de Comunicação Social, lia diversos
autores e assistia a filmes e seriados de TV.
Essas experiências anteriores, direta ou indiretamente, influenciaram o
surgimento de Habitante das Falhas Subterrâneas, tua estréia, que, inclusive,
teve relançamento no fim do ano passado pela editora Oito e Meio. Gostaria que
você falasse um pouco sobre este livro, que contrasta com os teus romances sucessores.
Meu romance de estréia fala pouco sobre minhas reais
influências e eu ainda não tinha maturidade naquele momento para escrever sobre
o que eu gostava. Ou seja, os romances que vieram a seguir. Meu primeiro
romance não dialoga com o meu universo particular dentro da literatura, mas foi
um projeto de estréia que me ajudou a ter fôlego para escrever os seguintes.
Ele possui uma influência direta com o escritor Salinger e o
livro "O apanhador no campo de
centeio". Depois disso, em "A
guerra dos bastardos", consegui avançar dentro de um texto que
realmente dialoga comigo e minhas referências.
Com A Guerra dos Bastardos tu inicia uma empreitada que rompe com o
programa de formação iniciado com tua estréia, penetrando pouco a pouco num
universo naturalista, responsável pela projeção de seu trabalho na mídia e
reconhecimento entre a crítica. Me conta o que influenciou esta mudança de
estilo.
Meu estilo literário
se inicia em "Entre rinhas de
cachorros e porcos abatidos", porém, em "A Guerra dos bastardos" eu dava os primeiros passos para isso.
Gosto quando sou mais enxuta com as palavras, quando o texto é menos
digressivo. Mas sim, em "A guerra
dos bastardos" eu não mudo meu estilo, mas sim, consigo finalmente
escrever sob influência das particularidades do meu olhar a respeito do mundo e
também aquela voz autoral torna-se um pouco mais clara. Esse foi o caminho para
o livro que viria a seguir: "Entre
rinhas de cachorros e porcos abatidos". Quando finalmente encontrei
meu estilo, minha voz autoral.
Muitos escritores não se sentem à vontade para discutir questões que
digam respeito a autoria hoje em dia, entretanto, é impossível não perceber nas
tuas produções uma marca de estilo, que se expressa na tua opção de escrita, na
elaboração dos personagens, na assimilação de tuas influências e em todo o
universo pessoal que vai sendo desvelado gradualmente por uma experiência
pessoal com a literatura. Como você avalia esta discussão sobre a autoria no
seu trabalho?
Quando comecei a escrever eu não pensava em uma marca
autoral, mas isso mudou ao longo dos livros e se tornou evidente que eu
percorro um caminho particular na literatura brasileira. Desde então, passei a reconhecer que possuo
um texto autoral, marcado por tipos de personagens, diálogos, ambientação e
narração. O conjunto formado por esses elementos cria um discurso pessoal, que
não é fácil de ser identificado pelo autor de imediato. Tenho limitações ao narrar um romance, é
claro, existem dificuldades, mas tenho liberdade diante da tela em branco e ela
não me amedronta, até porque as estórias nascem na minha alma, nas minhas
reflexões.
Penso amplamente a respeito do universo que quero narrar e
gosto muito de ficar vagando por ele, ouvindo os personagens e buscando a
próxima estória. Acontece que eu trafego pelo mesmo universo e ele me agrada e
é dele que tiro minhas estórias e só sei falar através da boca de certos tipos
de personagens. A ficção me possibilita
aquilo que o capitão Kirk fala em todas as aberturas do seriado Star Trek: "desbravar novos mundos, descobrir novas civilização. Indo aonde nenhum
homem jamais esteve"
Bem, de um jeito mais introspectivo, eu visito realidades e
possibilidades dentro desse mesmo mundo em que vivo e estou em confronto direto
com personagens que me provocam, me assustam e até mesmo me dão medo.
Aproveitando esta discussão sobre autoria, gostaria que você contasse
um pouco sobre o personagem Edgar Wilson, que é um personagem-link na tua
produção literária.
O Edgar Wilson é um rosto familiar. Desde que ele surgiu, em
2005, nunca mais saiu da minha vida. Apesar de ser fruto da minha imaginação,
ele é real (risos). O que eu poderia falar sobre o Edgar... Bom, ele me ajuda a
contar algumas estórias, gosto de tê-lo por perto. É como um irmão mais velho
que resolve os problemas quando eu não consigo dar conta. Aliás, tenho essa
relação com muitos dos meus personagens. Alguns deles me permitem a ir a certos
lugares dentro da ficção que eu não poderia ir sozinha.
Você tem participações em várias antologias, que vão da Geração Zero
Zero a publicações internacionais, como a Sex’ n’ Bossa, responsáveis pela
divulgação de novos escritores brasileiros. Qual a sua relação com estes novos
escritores e como você avalia a produção destes conteúdos, num momento em que
tanta produção ganha espaço através da diversidade de olhares que tem
convergido para os escritores de blogs e outras plataformas?
Tenho participado de muitas antologias. Bem, a minha relação
com os novos escritores, em geral, é distante. Tenho uns favoritos, mas sei
pouco o que acontece nesse âmbito. Há pouco mais de dez anos, quando eu quis
saber o que acontecia no cenário literário brasileiro, poucos antes de publicar
o meu primeiro romance, eu comprei uma antologia de contos: "Geração 90 - Manuscritos de computador"
( Antologia organizada pelo Nelson de Oliveira, responsável pela apresentação
de escritores “de computador”, tais como Marcelo Mirisola, Marcelino Freire e Cíntia
Moscovich). Ali, eu pude conhecer um pouco do panorama e da produção no país.
De uns contos eu gostei e de outros não. As antologias são bons meios de se
conhecer novos e antigos escritores. Através de um conto, chega-se as obras de
um autor.
As antologias de contos ainda são uma seleção de textos que
agrada ao leitor que chega a uma livraria, virtual ou física. Para mim, é um
meio de se conhecer a produção literária a grosso modo. O leitor é quem decide
qual o autor ele quer ler mais detalhadamente.
Além da literatura, você possui interesse em realizar produções em
outras mídias ( cinema, por exemplo)?
Sim. Escrevi a adaptação do romance "Santa Maria do Circo", do escritor
mexicano David Toscana, em parceria com o ator Guilherme Weber, que vai dirigir
o filme.
Li notícias recentes sobre o lançamento de um novo romance teu. Poderia
falar sobre este projeto e previsão de lançamento?
Meu novo romance se chama "De gados e homens". Está previsto para este ano, mas ainda não
sei desses detalhes. O título pode ser lido como uma brevíssima sinopse do
livro. O Edgar Wilson é o protagonista e a estória se passa uns dois anos
depois do romance "Carvão animal".
Tudo ocorre num matadouro de gado bovino e nos seus
arredores. É um cenário um tanto desolador, mas bonito também. Até que umas
coisas estranhas começam a acontecer com o gado e isso começa a afetar a vida
daqueles homens e dos moradores da região.
Vai ser difícil comer um hambúrguer outra vez.
Publicado no jornal O Estado do Maranhão, edição de 17 de Março de 2013
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